segunda-feira, 7 de julho de 2014

E eu que sou filha, como é que fico nessa história?

Já trouxe algumas explicações técnicas, contei sobre algumas decisões lá de casa, dei dicas de aparelhagem, neurologista, lojas, e tudo que sei pertinente a cada assunto tratado. Ótimo, parece que consegui ajudar, fico muito feliz, mas isso tudo está longe de ser o "tudo" que precisamos saber, ou do que vivemos em casa com a AMS. As consequências dela são doloridas demais, não apenas para o portador da doença, mas para seus filhos, irmãos, companheiros, primos, sobrinhos, pais e amigos. É sobre isso que me proponho a falar agora: Sobre como é para mim. 

Acho que será a postagem mais difícil de escrever... 
A proposta não é outra senão servir para dar um empurrão, uma chacoalhada para aqueles momentos de terror, como as histórias de muitos de vocês já são para mim.

Não tem um dia sequer que eu não odeie essa doença. O fato de ela trazer um aprendizado não me faz gostar dela nem pouquinho. Eu preferiria aprender muitas coisas de outra forma, ou até mesmo ficar na ignorância, porque com tudo que ela pode trazer de bom - e olha que é preciso muita força de vontade e uma dose de criatividade para ver esse lado bom - eu odeio ver a minha mãe doente assim. Odeio!! Pronto, falei! 

Minha mãe não é só a minha mãe. É um dos personagens principais de todos os sonhos que já tive na minha vida. No meu casamento não era eu e meu noivo que ocupávamos o cenário principal. Era a minha mãe lá na frente me dando um sorriso que só eu entenderia. Ela sempre coube em tudo na minha vida. Me via em seu apartamento nos finais de semana - claro, no mesmo prédio que o meu. Quando pensava em filhos já via a cena da avó sensacional, que poderia finalmente fazer pelos netos o que fez pelas milhares de crianças que passaram pelas suas mãos, quando exercia a atividade de coordenadora pedagógica e educacional. Minha mãe sempre esteve em todos os cenários, todos os meus sonhos, no meu futuro sem fim. Já vivi nosso Natal do ano de 2020. Mentalmente levava ela e todas as amigas para a mega feira de artesanato, e faria uma surpresa levando-as para tomar um café enquanto as crianças estariam no inglês. Já sonhei tanto... e ela estava em todos esses sonhos.

Temos uma vida juntas. Fizemos hidro, cursos de culinária, maquiagens, feng shui. Estudamos juntas no centro espírita, como colegas de sala, lado a lado. Almoçávamos fora de final de semana, viajávamos nas férias, comprávamos coisas escondidas do meu pai... Cortávamos os cabelos no mesmo lugar, saíamos para compras de roupa, de casa, de natal, de tudo. Sempre foi a primeira a saber dos meus problemas, a me incentivar para tudo que eu quisesse fazer. Incrivelmente fez e foi tudo isso sem deixar de ser mãe. Não virou minha "amiguinha". Nunca levei na lancheira biscoito ou salgadinho. Tinha lanche feito no dia, as 6h da manhã. Jamais deixei de levar uma bronca se aparecia um lápis que não fosse meu dentro do meu estojo. Ela sabia tudo o que eu tinha, fazia todas as lições de casa comigo, e deixava que eu assistisse na TV ao programa de minha preferência. Escolhia as férias divertidas para os filhos, ainda que custasse deixar o marido em casa e ir sozinha com os dois debaixo do braço. Saía do trabalho as 19h30 e se eu precisasse passar em algum lugar ela me levava feliz.  

É dela quem eu cuido hoje. Da única pessoa que me ama me aceitando como eu sou. Cuido do grande amor da minha vida, a quem amo incondicionalmente. Sendo assim, como eu consigo não estar revoltada ou deprimida? Vários são os motivos. 

O primeiro é porque certamente devo estar recebendo muita ajuda do "Alto". Anjos, protetores, guias, qualquer que seja o nome dessa turma, eles estão trabalhando bastante. O outro motivo é que não é hora de parar. Acredito que meu mental entende tanto isso que ajuda meu corpo a funcionar direito. Ela precisa de mim inteira. O último motivo, o único que não depende de qualquer esforço, é o AMOR

Na mesma proporção que lembrar a doença me traz uma dor desesperadora, a cada momento que olho para a minha mãe sinto um amor imenso, tão grandioso, que me traz toda a força para continuar. Eu choro várias vezes por semana, sinto muito medo da minha vida solitária sem a presença física dela, me sinto exausta, às vezes sem forças para dirigir. Rezo para que ela durma a noite inteira, assim durmo também. Às vezes torço para ela não querer sair, ou que queira só tomar um solzinho lá em baixo, quando estou bem cansada, mas basta eu chegar em casa e vê-la que tudo passa. Só penso que ela depende da boa vontade dos outros para simplesmente se ajeitar na cadeira, mudar o canal da TV ou tomar um gole de água. Quero fazer tudo para que se sinta bem. A força vem, porque amo cada dia que tenho ela na minha vida.Tudo fica fácil, faço sem pensar, e quando vejo estou insistindo para dar uma "voltinha" pelo Sams Club.

Não tem mês que vem para nós, só tem o dia seguinte, que começa só depois das 18h. Antes disso ainda estamos vivendo o hoje. Cansamos demais, não vendo a hora de chegar a noite para dar uma descansada. É assim que eu vivo. Tenho um objetivo maior que ter a minha casa, meu marido ou meus filhos. É ela. De vez em quando busco uma força extra num dia gostoso com um amigo amado, num passeio de meninas com uma amiga, ou num simples almoço feliz, mas sei que daria para conciliar outras coisas se eu quisesse, ou talvez se fosse mais organizada. Tudo bem, me permito ter um cansaço mental, não pensar em outras coisas, e viver assim.

Sinto não ter mais o que tive, e sinto mais ainda não poder realizar com ela tantos sonhos que sonhei, mas ela fez algo muito melhor. Construiu uma Regina em mim. Vejo milhares de coisas dela nas minhas atitudes, escolhas, afagos e afetos. Aprendi seu tempero, conheci suas amigas, amo seus amores. Soube até ajudar na escolha da escola da minha afilhada. Ouvia a voz dela conversando sobre os itens importantes a serem verificados antes de matricular a Bibi. Ela me deu o peixe enquanto pôde, mas me ensinou a pescar. 

Ela está comigo, vivenciando o nosso amor, cuidando de mim quando pede para a cuidadora me ligar para saber se minha dor de cabeça melhorou, ou se saí agasalhada. Ajuda a escolher minhas roupas, ri do meu humor e descansa seus braços em volta de mim todos os dias quando nos ajeito para um abraço. São essas coisas que me alimentam.

Com tudo, viveria assim outras tantas vezes, outras tantas vidas se precisasse, só para tê-la como mãe.

Sou MUITO grata por ter me aceitado como filha, e por ter confiado em mim para ajudar a cuidar de você. Que bom que cuidou tão bem de mim, me ensinando a retribuir um pouco agora.

 Obrigada, amada.



4 comentários:

  1. O único comentário que tenho a fazer é simples ." Parabéns Anali por ser quem és e à sua mãe por ter de preparado para encarar esta luta da forma que esta fazendo "
    Concordo com tudo o que falou , mas hoje , depois de algum tempo passado , eu sei que faria tudo o que fiz por mais 100 anos , e sinto falta de ter a Rosana aqui comigo , pois apesar de quase 8 anos de luta hoje eu me sinto só , não há um dia em que eu não a veja , ou pense nela .

    Só posso desejar que você continue com a perseverança e dedicação que tem , pois é a única coisa que temos a fazer .

    A minha maior preocupação além dos acompanhamentos médicos e terapêuticos foi dar-lhe "CONFORTO " que é o que nos satisfaz , saber que a pessoa que amamos esta bem atendida nas suas necessidades .
    Um grande abraço , e onde eu puder lhe ajudar estrarei sempre à disposição .

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    1. Raphael, meu amigo... obrigada pelas suas palavras de força e apoio constantes. Sempre com a gente, né... obrigada. Que bom que pôde cuidar dela, que bom que nós podemos também. Perseverança sim, mas muito amor é o que me move. Abraço forte.

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  2. correção " estarei sempre à disposição "

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  3. Essa sempre foi você, desde que a conheço, e olha que se a gnt contar faz um tempinho né?
    Parabéns por manter esta energia e este amor, tenho certeza que é ele que te faz ser forte.
    Bjs, Glaucia.

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